São os últimos raios de sol de uma sexta-feira outonal. Um friozinho gostoso, e Jorge, sentado na varanda de sua cobertura, no Morumbi, em São Paulo, está absorto, mergulhado em uma angústia profunda e totalmente alheio a beleza circundante. Está olhando para dentro de si, nos seus 45 anos. Sente o peso de suas escolhas imaturas. Pensa: “Deus, que fiz até aqui? Podia, hoje, estar tranquilo e estou neste atoleiro, sem saber o que fazer.
Pensa em Carla sua companheira há 10 anos. Casaram oficialmente há cinco anos. Ama ela, mas o relacionamento vem se deteriorando. As brigas e desentendimentos vem sendo a tônica dos últimos dois anos. Como chegaram a isto?
Iniciou sua carreira de modelo ainda muito jovem. A primeira experiência que acendeu esta possibilidade foi aos 10 anos, quando ganhou um concurso de fantasias, como pirata; alguns anos depois começou a posar, profissionalmente. Sua mãe o incentivou, e aconselhou até sua morte repentina, 15 anos atrás. Fez muito dinheiro. Entretanto, nunca foi um administrador eficiente, e nos últimos anos esbanjou muito, estando, hoje, atolado em dívidas.
Conheceu Carla no estúdio, onde ela também trabalhava como maquiadora e engataram um romance. Quando oficializaram a relação, Carla decidiu parar de trabalhar, afinal, estavam bem de vida, só que se deslumbrou . Só festas, roupas caras, viagens, procedimentos estéticos. A relação foi mudando, como acontece, quando a paixão esfria, e se conhece a face oculta do outro. A carreira de Jorge também foi perdendo o fulgor. Sem contratos milionários, viu as ofertas minguarem; não soube administrar e adequar gastos à nova realidade, atolando-se em dívidas.
Não sabe, e não tem a quem recorrer. É filho único de pai, hoje, viúvo, funcionário público aposentado, com parcos rendimentos. Pai severo, com ideias preconcebidas e pouca flexibilidade em aceitar o contraditório. Sem parentes próximos, ou amigos mais chegados. Está encurralado!
Na 2.ª feira, quatro dias atrás, seu agente surgiu com uma proposta tentadora, mas indecente, conforme o olhar e a perspectiva adotados. Uma ‘socialite’, nacionalmente conhecida e meio doidivanas, solicitou a seu agente que lhe propusesse ser acompanhante dela, em uma viagem internacional, de uma semana, onde iria precisar comparecer a uma série de eventos, e queria contar, especificamente, com sua companhia.
Jorge perguntou ao seu agente, Pedro, porque havia sido o escolhido, e ele disse que o motivo era a admiração de Carla por sua postura, atitude e aparência. Ela ofereceu uma quantia considerável, que resolveria seus problemas financeiros atuais.
Jorge perguntou ao seu agente, Pedro, porque havia sido o escolhido, e ele disse que o motivo era a admiração de Carla por sua postura, atitude e aparência. Ela ofereceu uma quantia considerável, que resolveria seus problemas financeiros atuais.
Sua resposta precisa ser dada até 2.ª feira. Faltam três dias. A viagem é na próxima 6.ª feira, ou seja, dentro de uma semana. Há muito em jogo. As implicações são óbvias. Jorge não é um moralista, pudico, mas sabe que de alguma forma estará vendendo: sua imagem, seu corpo seu tempo; sua alma e emoções não, mas as consequências, com certeza, vão afetar a forma que irá lidar consigo mesmo, com sua esposa, seu pai, a mídia. É óbvio que não vai conseguir ocultar este arranjo. Ambos, ele e a ‘socialite’, são pessoas públicas. Conhece o temperamento explosivo e ciumento de sua mulher, e com certeza os tabloides vão explorar a situação. Tenta argumentar consigo mesmo que é um negócio, e que seus sentimentos não vão estar envolvidos, mas isto é o que ele sente, e não o que Carla vai sentir. Paralelamente, está cansado da vida que vem levando. Vida de aparências, sem trocas reais. Não se preocupa com a possibilidade, real, de ter que vender seus bens para quitar as dívidas, pois sabe que tudo é temporário, e impermanente. Se preocupa, sim, com o que fazer para viver, onde morar, como manter Carla, se ela não o abandonar, o que é difícil, pois não tem como se sustentar (será este o único motivo ou há hoje também uma dependência emocional?), e como ajudar o pai.
Como adoraria poder dividir o peso desta decisão com seu pai e sua mulher, mas sabe que isto não é possível. Seria ainda mais complicado. Seu pai iria ficar horrorizado e Carla talvez até achasse uma boa ideia, mas depois iria odiar a si mesma, e a ele.
Tem três dias ainda. Tem consciência que a decisão mais fácil nem sempre será a melhor, pois as consequências podem ser as mais árduas. Dentro de si, entretanto, já tem a resposta. Está cansado, quer mudar, precisa de paz. Quer o real, ser amado por si mesmo. Não é um covarde, e vai enfrentar o que vier. Acredita que pode encontrar forças dentro dele para recomeçar do zero.
Chegou o dia do encontro e decisão. Tenso, difícil. Jorge está muito nervoso, mas finalmente decidiu. Sabe que não vai ser fácil lidar com as consequências, mas tem consciência que sua escolha não poderia ter sido outra. Precisa ser forte para tocar a vida , mas é o que seu coração, sua intuição está lhe dizendo. Não poderia agir de outra forma. Estar em paz consigo mesmo é o que importa.
Quando relata sua decisão, seu agente reage mal. Há irritação, não aceitação e descrença que esta possa ser a sua escolha.
As percepções e entendimento são usualmente distintos. O exercício de se colocar no lugar do outro é difícil e raro.
Decidir é muito difícil; Sempre vamos arcar com os resultados de nossas escolhas, e Jorge ainda não tem consciência plena do que terá que enfrentar, mas pelo menos tem coragem.
Decidir é muito difícil; Sempre vamos arcar com os resultados de nossas escolhas, e Jorge ainda não tem consciência plena do que terá que enfrentar, mas pelo menos tem coragem.
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